Era uma vez um burro...
Esse burro era forte e bom – porém detestado...
Somente o boi e o cavalo rivalizavam com ele em força muscular...
Mas nem um nem outro aguentavam as longas viagens que o burro agüentava...
Por isso, o homem lhe queria mais bem que a todos os outros...
E isso aborrecia os habitantes das selvas e dos campos...
Nenhum, todavia, ousava fazer-lhe mal – porque o asno era forte e temido.
Mas eis que vem um dia fatal!
Vítima de funesto acidente, tomba do alto de um barranco e cai - semimorto...
Corre pela zona a sensacional notícia...
Aliviada de mortal pesadelo respira a fauna em derredor...
E todos correm para ver o burro moribundo:
Descarregou-lhe o cavalo um coice no peito...
Veio o boi e deu-lhe uma violenta chifrada entre as costelas...
O cão ferrou-lhe uma perna com os dentes pontiagudos...
Arrancou-lhe o gato o focinho com as garras afiadas...
Saiu da toca até um ratinho que nunca tinha visto o burro, mas para ser digno frente aos grandes, fincou-lhe os dentinhos na ponta da orelha.
E assim todos os demais...
Chegou por fim, o leão, olhou para o burro agonizante – e passou, direto.
“Como, majestade?” – exclamaram os outros – “Não te vingas deste perverso? Do inimigo comum? Arranca-lhe os olhos!”
Respondeu o leão: “Reputo abaixo da minha dignidade vingar-me dum inimigo que já não me pode fazer mal”...
E passou adiante, firme, grave, sereno...
Sem olhar para trás...
***
Amigo, que a fauna humana habitas - não te iludas!
Muitos te respeitam porque muitos te temem, enquanto és forte.
Enquanto as auras da sorte bafejam tua vida
Enquanto poderosos te amparam e te defendem...
Muitos ocultam o despeito, a inveja, porque lhes falta a coragem...
No dia, porém, em que te julgarem liquidado – exultarão de prazer...
Bois e cavalos, caninos e felinos, nada faltará em torno de tua desgraça...
Chifradas e coices, dentadas e unhadas – tudo choverá sobre ti, quando inerme.
Até a mais vil alimária humana te mostrará o despeito, a inveja...
E o leão?...
Não sei se alma leonina encontrarás...
Espírito nobre que não exiba sua força em face de tua fraqueza...
Mais raros são nos desertos humanos os homens do que no Saara africano os leões...
Feliz de ti, meu amigo, se encontrares alma leonina – que ao menos silencie o que remediar não possa!...
E passe adiante – sem vindicta... esse leão!
do livro de Huberto Rohden
1 opiniões importantes:
Nossa. Muito boa essa fábula. O mundo é realmente assim. quando estamos bem vivemos cheio de amigos falsos, quando caimos eles mostram as garras.
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